sexta-feira, 25 de julho de 2008

Seu Rafael

Seu Rafael é uma das mais enigmáticas figuras que já conheci. Trabalha – ou algo parecido – na rua em que eu morava, ainda endereço dos meus pais, em Brasília. A sua rotina consiste em permanecer o dia inteiro sentado, observando o vai-e-vem de carros, bicicletas e pessoas. Parece que ele é pago para fazer isso.

- Bom dia, Seu Rafael.
- Tá queeente hoje.

Você pode puxar qualquer assunto com o Seu Rafael, qualquer um, e ele sempre vai falar do tempo, carregando nas vogais da palavra que deseja enfatizar.

- Tem horas, Seu Rafael?
- Hoje de manhã tava muito friiio.

Do seu posto de trabalho, Seu Rafael sabe tudo o que acontece na rua. Mas as pessoas não sabem nada sobre ele.

- O nome dele é Rafael de quê, hein?
- Não sei, mas parece que ele não sabe também. Ouvi dizer que perdeu a memória e veio parar aqui.
- Coitado.
- Pobrezinho mesmo.

No dia em que fui morar na França, já no carro a caminho do aeroporto, eu o vi com seu então inseparável chapéu de vaqueiro, acessório que sempre contribuiu para aumentar as lendas em torno dele.

- De onde ele é?
- A vizinha do fim da rua outro dia falou que ele era um pistoleiro em Goiás. Por isso usa o chapéu até hoje.
- Deus me guarde!

A verdade é que o Seu Rafael tornou-se um ponto de referência não apenas na minha vida, mas na de todo mundo que mora naquela rua. Um ponto de referência na vida de alguém é algo com uma carga sentimental única. Pode ser um amigo de longa data, um fato inesquecível, um lugar singelo ou uma cueca furada da infância guardada no fundo de uma gaveta. Bom, talvez nem todo mundo guarde uma cueca da infância no fundo da gaveta. E o Seu Rafael, com sua rotina e conversa monotemática, tornou-se uma certeza de que as coisas não mudam em Brasília. Pelo menos não mudam na rua dos meus pais. E isso sempre nos tranqüilizou.

Durante sete anos, habituei-me a vê-lo quase diariamente, sentado, chapéu na cabeça, comentando sobre o tempo. Por isso o susto quando cheguei de férias no Brasil.

- Quem é aquele ali sentado?
- Não reconhece o Seu Rafael?
- De boné?
- Modernizou o visual.

Fiquei preocupado. Ele era a prova viva de que o Dia da Marmota existe. De que alguém pode viver a mesma rotina indefinidamente. Se ele, o último bastião da imutabilidade, havia mudado, o mundo estava perdido. A partir dali, tudo começaria a se transformar. O judiciário brasileiro tornaria-se sério. O dinheiro dos impostos passaria a ser revertido em nosso benefício. E até o Botafogo perigaria ser campeão. Uma situação completamente fora do controle.

Olhei ressabiado. Ele me viu. Acenei de longe, timido. Ele correspondeu, como sempre. Fui chegando perto, devagarzinho. Ele sentado, quase estático. “O boné não combina, está totalmente deslocado”, pensei. Parei a alguns metros dele e ensaiei uma meia-volta, interrompida por uma palavra vinda de sua direção.

- Bão?
- Tudo bem, Seu Rafael?
- Hoje tá queeente, hein?

Voltei pra casa tranqüilo. Liguei a TV, que noticiava mais uma derrota do Botafogo. Tudo, enfim, continuava como antes. Graças ao Seu Rafael.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Recortes de classificados

Como seriam os anúncios de classificados dos jornais parisienses, caso eles fossem obrigados a dizer a verdade.

. Apartamento - 12 m²
É quase o que você precisa

Tem uma quase cozinha, um quase banheiro e espaço para uma cama (ou quase). Não tem um quase elevador, porque não tem elevador nenhum. Está quase em bom estado. Mude-se hoje mesmo com o seu cônjuge para você se sentir quase dentro de uma caixa de fósforos.

Preço: seu salário quase inteiro.

. Motocicleta semi-nova
Voe pelas ruas e dê asas aos pedestres

Compre essa linda moto e saia cortando todo mundo no trânsito de Paris. Feche ciclistas, fure sinais e levante um ou dois pedestres que se meterem na sua frente, com todo o conforto e a potência de um motor de 500 cc.

Preço: depende se é com ou sem emoção.

. Bretanha – Férias de verão
Se você não vier, outros virão

Dizem que é verão na Bretanha. Bom, você acredita se quiser. Lá vai chover? Vai. Vai fazer frio? Vai. A cerveja da região inteira vai estar quente? Vai. Mas vá assim mesmo. A gente vai adorar vender esse pacote caro pra você.

Promoção: você paga um e não leva nenhum.

. Vendo filhote de cachorro
Parisiense que é parisiense tem

Ele late o tempo todo. Ele faz as necessidades pela casa. Ele é cheio de pulgas. Ele detesta tomar banho. Ele solta pêlos por toda parte. Ele é tudo o que você precisava para se sentir um verdadeiro parisiense.

Preço: só custa a tranqüilidade dos seus vizinhos.

. Procura-se garçom
O mau humor é nossa única cortesia

Precisa-se urgentemente de alguém de péssimo humor para trabalhar de garçom. Não pode ser simpático. Não pode se esforçar para entender o pedido de um cliente estrangeiro. Não pode trocar o tomate por mais batatas. Não pode dar desconto.

E atenção: sorriu, a gente demitiu.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Paris, 2155

Em 2155, pai e filho passeiam pelas margens do rio Sunny, antes chamado Sena.

- Logo ali ficava a torre Eiffel, meu filho. Um dos símbolos da antiga França.
- Nunca ouvi falar.
- Era enorme.
- Servia pra quê?
- Não se sabe bem. Acho que foi construída para uma exposição.
- E cabia dentro de uma sala de exposição?
- Não ficava em sala nenhuma, filho. Ficava ao ar livre. Era um ponto turístico muito famoso, as pessoas vinham visitá-la. Mas isso foi antes de o McDonalds transformar o lugar num drive thru, que logo depois virou o maior fly thru do mundo.
- Então faz tempo, né?
- Faz sim. Seu avô tem umas fotos holográficas. Você nunca viu?
- Acho que vi. São aquelas em que a vovó está segurando um pão gigante e alongado de hambúrguer?
- Eles chamavam de baguete, e não era pra hambúrguer.
- Se não era pra hambúrguer, era pra quê?
- Ah, meu filho, naquela época os franceses comiam essa baguete com outras coisas, como queijos, patês e frios.
- Quem eram os franceses, pai?
- Eram os habitantes da antiga França. Eles bebiam muito vinho e falavam uma língua estranha, chamada francês.
- Que coisa mais bárbara.
- Nem me diga. Por isso, logo que assumiu o poder, Ronald McDonald II tratou de acabar com os resquícios dessa civilização. Seu primeiro ato foi trocar o hino nacional.
- Eu conheço o hino da República das Batatas Francesas, pai. É aquele que começa assim: “dois hambúrgueres, alface, queijo, molho especial...”
- Muito bem, filho. E depois dessa linda introdução ainda tem a segunda parte, que descreve as maravilhas da terra prometida de Mickey, o sábio.
- Sabe, papai, outro dia os professores-andróides falaram do Napolimão.
- É Napoleão, o famoso imperador.
- Os andróides contaram que foi ele quem mandou construir aquele arco que serve de porta de entrada do museu da paz George Bush.
- Isso mesmo. Fico muito contente de ver que você tem aprendido coisas tão importantes na escola.
- Mas pai, tem uma coisa que não entendo. Na escola disseram que essa cidade que a gente mora, New Hollywood of Europe, chamava-se Paris.
- É mesmo.
- É por causa da Paris Hilton, aquela modelo polêmica do século passado?
- Claro que não, filho. Quando Paris Hilton nasceu, a cidade de Paris já existia havia bem mais de 10 anos.
- Outra coisa que me contaram é que os franceses eram super mal humorados.
- Dizem que sim, filho, mas ninguém tem muita certeza. O que se sabe é que o IPF, o Índice Pateta de Felicidade, aumentou bastante desde que Ronald McDonald IV instituiu o Uncle Sam’s Day.
- Eu gosto do Uncle Sam’s Day. É bonito ver todo mundo colocar sapato social, meia, bermuda e boné e depois sair pra fazer hambúrgueres na churrasqueira comunitária da praça da Bastilha.
- É uma data nacional muito importante, filho.
- Pai, essa conversa me deu sede.
- Vamos ao Pizza Hut Notre-Dame. Você toma uma Coca Espacial e eu tomo um café.
- O que é café, pai?
- É a palavra francesa para a nossa bebida mais importante.
- A Kofi Annan?
- Isso mesmo.
- E por que eles a chamavam de café?
- Sei lá, filho. Esses franceses eram muito estranhos.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Lá tem. E aqui também.

. Na França tem Zidane e suas cabeçadas. No Brasil tem Roberto Carlos e suas meias.

. No Brasil tem Ronaldo, que operou o joelho duas vezes na França. E em Paris tá cheio de travesti brasileiro.

. Os franceses adoram sandálias havaianas. E sempre nos dão uma chinelada nas copas do mundo.

. O Brasil teve Fittipaldi, Senna e Piquet. A França teve Prost. Se em termos de talento eles estavam próximos, em tamanho de nariz o francês chega muito na frente.

. O general De Gaulle também era narigudo.

. Assim como o ator Gérard Depardieu.

. Não dá pra esquecer que o nasal do presidente Sarkozy é igualmente avantajado.

. Guto Goffi, baterista do Barão Vermelho, tem um nariz quilométrico, mas não é francês. O músico Manu Chao morou no Rio de Janeiro, mas não é brasileiro.

. O Brasil tem Chico Buarque, que cantou para as mulheres como ninguém. E a França tem Serge Gainsbourg, que cantou as mulheres como ninguém.

. Na França, a Brigitte Bardot embarangou legal. No Brasil, a Garota de Ipanema continua bonita.

. Uma modelo brasileira arrumou um filho com o Mick Jagger. O presidente francês arrumou uma modelo italiana só pra ele.

. Em Paris existe a praça Rio de Janeiro. No Rio de Janeiro tem a praça Paris.

. O planejamento urbano de Brasília foi feito por Lúcio Costa, nascido em Toulon, na França. A sede do partido comunista francês foi desenhada por Oscar Niemeyer.

. No Brasil, o inverno pode ser quente. Na França, o verão pode ser frio.

. A Berthillon, principal sorveteria de Paris, fecha as portas no verão. E as praias do Rio de Janeiro continuam cheias no inverno.

. Na França tem um tipo de queijo para cada dia do ano. Mas não existe requeijão, queijo minas e catupiry.

. Tem dezenas de pães diferentes, mas não existe pão francês.

. Tem escargot, mas não existe buchada de bode.

. No Brasil tem feijoada, com feijão preto. Na França tem cassoulet, com feijão branco. Apesar da diferença de cores, em termos flatulentos a devastação é igual.

. Os franceses adoram carne moída de cavalo. Eu conheço brasileiros que comem testículos de boi.

. Na França, os cachorros estão em todos os lugares. No Brasil, as cachorras estão nos bailes funk.

. A polícia brasileira não prendeu os anões do orçamento. Já a polícia francesa acabou de capturar o maior ladrão de anões de jardim do mundo.

. Na França, dizem que os brasileiros falam cantando. No Brasil, dizemos que francês faz biquinho pra falar.

. No Brasil tem o pessoal do telemarketing. Mas na França tem a Edith.