sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Copa de 98? Que copa?

Volta e meia pinta um francês fazendo questão de me lembrar dos três fracassos consecutivos da seleção canarinho frente a "les bleus", em 1986, 1998 e 2006. Eu tento contra-atacar, trazendo à tona a copa de 1958, quando vencemos por 5 x 2. Mas não adianta. Os 3 x 0 na final de 98 ainda fazem a alegria dos compatriotas de Zidane.

Cansado de escutar o bordão "Et un! Et deux! Et trois zero!", bolei diversas respostas para esse momento.

. Não vi o jogo. Na época eu era monge, e estava em meditação no Tibete.
. Exatamente em 1998 o esporte nacional brasileiro passou a ser o dominó, e nosso ídolo maior era o João Duplo Seis, sujeito imbatível. Ninguém falou em Ronaldo ou futebol.
. O problema é que o Romário não foi.
. A culpa foi do Roberto Carlos, que ficou arrumando a meia. Ah, isso foi em 2006? Bom, a culpa deve ter sido dele, de qualquer maneira.
. A CBF vendeu o jogo pra FIFA, que vendeu pra Nike, que vendeu pra Adidas, que vendeu pra Havaianas. Esta foi obrigada a comprar, se quisesse entrar em território francês.
. A televisão lá de casa explodiu no dia. E depois esqueci de perguntar o resultado. Aliás, quem ganhou?
. Antes da partida, o Ronaldo teve uma convulsão causada por foie gras envenenado.
. O problema é que o Pelé não foi.
. Você não sabe? Antes de o time entrar em campo, o Ronaldo foi trocado por um ET. O Zagallo comandou pessoalmente toda a operação.
. A CBF vendeu o jogo para um consórcio formado pelo Olivier Anquier e o Manu Chao.
. A culpa foi do Barbosa, que levou aquele gol do Ghigia.
. A derrota de 98 foi providenciada para abafar a imprensa, que estava prestes a divulgar as provas de que o homem não tinha ido à lua.
. Antes da partida, o Ronaldo comeu 27 croissants envenenados.
. O problema é que o Alexandre Pato não foi.
. Copa de 98? Teve?
. A culpa foi do Júnior Baiano, que passou o torneio inteiro agindo como Júnior Baiano.
. A CBF vendeu o jogo para a CIA, que colocou a culpa no Lee Oswald. Ou no Oswald de Souza. Não lembro bem agora.
. Não acompanhei. Em 1998, eu trabalhava em uma mina na Mauritânia. Claro que lá não tinha TV, né?
. Antes da partida, o Ronaldo comeu 4 quilos de escargots envenenados.
. O problema é que o Zidane foi.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Adivinhe quem não vem para o jantar?

Fazer um jantar na França é uma arte por vezes complicada. Há uma lista enorme de coisas a se cuidar, como entrada, prato, sobremesa, vinho, pão, queijo, lista de convidados e até a posição deles na mesa. Mas há um outro item que muitas vezes ocupa mais tempo do que todos os outros juntos: é a lista dos não convidados.

- Então, Émilie, vamos chamar quem?
- Começamos pela Julie. E o Jean também, o novo namorado dela.
- Não tá sabendo? A Julie e o Jean terminaram. Ela tá deprimida, e nem sai de casa.
- Sendo assim, o Jean também está cortado.
- E o Alex?
- Bem lembrado, o Alex é legal.
- Podemos chamar a Marie, que o paquerava
- A Marie não, Greg. Outro dia, discutindo Sartre e Beauvoir, ela brigou feio com o Marc. E o Marc, com raiva ou ciúmes, descontou no Alex, que ficou achando que tudo era culpa da Marie.
- Não sei se entendi muito bem, mas acho melhor deixarmos esses três de lado.
- Melhor.
- E se a gente chamasse a Sylvie, o Pierre, a Sonia e o Anthony, o quarteto inseparável da sua época de faculdade?
- Não dá mais. A Sonia fofocou do Pierre pra Sylvie. E o Pierre contou umas mentiras sobre o Anthony para a Sonia. No fim, a Sylvie também falou mal de todo mundo. O quarteto inseparável está hoje separadíssimo. Nem sei por onde andam.
- E a Lola?
- A Lola? Não lembra? A gente quase se matou ano passado. Ela me disse aquela coisa horrível, que não dá pra esquecer.
- E o que ela te disse?
- Esqueci agora. Mas não quero que ela venha assim mesmo. Prefiro convidar o Bernard.
- Bernard mudou pro campo. E a Léa?
- Aquela que te paquera? De jeito nenhum.
- O Raoul.
- Perdi o contato.
- A Sophie?
- Pirou no meio do ano passado. Tá internada.
- A Hélène e a Brigitte?
- A Hélène parou de falar com a Brigitte depois do episódio do casamento do Henry, quando a Brigitte derrubou vinho nela.
- Só por isso?
- Pois é. E a garrafa nem estava tão cheia quando a Brigitte, bêbada, a despejou na cabeça da Hélène.
- Liga pro seu irmão.
- Anos que não nos falamos. Mas com o primo Paul ainda falo.
- Ah, não. O Paul é um chato de galochas.
- Podemos convidar a Beth.
- A vizinha depressiva? Da última vez ela chorou a noite inteira.
- Coitada, o gato dela tinha morrido.
- É, mas tinha morrido 6 anos antes, e ela continuava de luto.
- Greg, não sobrou ninguém.
- Ninguém?
- Ninguém.
- Sabe de uma coisa, Émilie? Cancela o jantar. Vamos comer um crepe ali na esquina.
- Não, vamos em outro. Aquele da esquina eu não gosto.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

A Edith não existe

Fui juntando as peças dos meus longos e repentinos encontros com a Edith, e comecei a desconfiar fortemente que ela é fruto da minha imaginação. Só existe dentro da minha cabeça. Antes de me dirigir a um psiquiatra (aproveitando que em Paris eles são mais numerosos do que pombos e cachorros), compartilho as evidências que me levaram à conclusão.

Ela está em todo lugar ao mesmo tempo

Eu descobri que é só mentalizar e, voilà, a Edith aparece. Dia desses fiz um teste, e pensei nela ao sair do prédio. Foi só virar a esquina e ela surgiu. Estava com muita pressa, disse. Mesmo assim lascou uns 30 minutos de conversa, só terminada quando falei que precisava ir ao marché d'Aligre, comprar coisas pro almoço.

Logo depois, já no mercado, havia uma manifestação de imigrantes sem documentos. Senti uma mão no meu ombro. Era ela, e me entregava um panfleto, enquanto contava detalhadamente todos os motivos daquele protesto.

- Daniel, tem uma passeata hoje, às 15h. Vou estar lá. - Não duvidei.

De noite, fui ao restaurante associativo da rua, e pensei de novo na minha vizinha. Ao entrar, ela já estava lá, ajudando um casal de italianos a preparar o jantar.

- Oi, Daniel. Não posso conversar agora.
- Não se preocupe. De verdade.

A vantagem dessa onipresença é que, quando necessário, ela..

...resolve todos os problemas da redondeza

Precisa de pintor de paredes? A Edith tem um pra indicar. Quer comprar uma mesa? Ela conhece as lojas em promoção. O aquecimento central está com defeito? Fale com ela, e no dia seguinte está perfeito de novo. A Edith tem sempre uma resposta e uma solução pra tudo. Além de onipresente, é também onisciente.

Mas apesar de estar por perto quando eu penso nela, o que me intriga é o fato de que...

...meus amigos nunca a viram

Vários já vieram me visitar em Paris. Todos perguntam por ela. Da minha sacada, mostro o jardim do seu apartamento, conto o caso do pé de mesa que caiu e digo que certamente irão vê-la, uma hora ou outra. Nenhum conseguiu. Houve uma que fez plantão em frente ao prédio, com máquina fotográfica em mãos, esperando alguém "de sessenta e poucos anos e cabelo vermelho". Fotografou até uma velha punk, com cara de quem havia acabado de chegar de Woodstock, a pé. Mas a Edith, que é bom, necas.

Mesmo insistindo em não se mostrar para os meus amigos, ela continua aparecendo pra mim. E de uns tempos pra cá, vem acompanhada do...

...monsieur Thésée

A Edith tem um amigo inseparável e complementar. Enquanto ela fala pelas tamancas, ele nunca abre a boca. Seu nome é Monsieur Thésée (pronuncia-se têzê). Estranhamente, é a mesma pronúncia para "taisait", que significa "calava-se". E também o nome de um personagem mítico grego, Teseu, em português. São muitas coincidências estranhas.

Monsieur Thésée e Edith fazem uma dupla perfeita, apesar de não serem marido e mulher, pois ela...

...é casada com uma lenda

As dúvidas sobre a suposta existência da minha vizinha acabaram-se quando ela me apresentou seu marido. Aí eu percebi que estava mesmo delirando. Pois, vejam só, ele é um finlandês gorducho, de barba e cabelos brancos, sorridente e bonachão. A Edith, afinal, é casada com o Papai Noel.

As peças desse meu possível delírio encaixam-se tão bem que talvez seja mesmo caso pra psiquiatra. Vou perguntar pra Edith se ela não tem um bom pra me indicar.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Pequeno dicionário prático de francês

Palavras e expressões fundamentais para se fazer entender em Paris, e exemplos de utilizações práticas.

Embêter (Encher o saco) - Muito usado no dia-a-dia, por todo mundo: de jovens mães a cunhados, de sanitaristas a datilógrafos. É mais polido, e serve para demonstrar uma ligeira irritação.

. Monsieur, ça vous dérange de me dire pourquoi vous m'emb
êtez comme ça?
(O senhor se incomoda em me dizer por que me enche o saco dessa maneira?)


Emmerder (Encher muito o saco) - Também bastante utilizado, mas por um público mais restrito. Crianças, senhoras de mais de 70 anos e padres franciscanos não a usam, devido à raiz da palavra, "merde".

. Il m'a emmerdé toute la nuit avec ses b
êtises de Julio Iglesias
(Ele me encheu muito o saco a noite inteira com suas bobagens de Julio Iglesias)


Faire chier (Encher o saco de verdade) - Apesar do sentido escatológico e não-publicável, é a expressão campeã nacional na França. E a preferida de adolescentes rebeldes, roqueiros rebeldes e visitantes da EuroDisney, rebeldes ou não.

. Elle veut faire la queue deux heures pour voir ce con de Mickey? Ça me fait chier.
(Ela quer fazer a fila de duas horas pra ver o idiota do Mickey? Isso me enche o saco de verdade.)


Uh la la (Enfatizar ligeiramente) - Outro hit francês. Pode ser dito de todas as formas, com todos os sotaques, em todos os lugares. Não há quem não entenda. Ganha força extra se utilizado ao lado de "embêter".

. T'es en train de me dire que c'étaient les travestis qui embêtaient le joueur de foot? Uh la la, tu rigoles?
(Você está me dizendo que eram os travestis que enchiam o saco do jogador de futebol? Uh la la, tá brincando?)


Uh la la la la (Enfatizar mais) - Bom para ser usado com "emmerder". Para alcançar o resultado desejado, os "la las" devem ser ditos de maneira bem espaçada.

. Uh la la la la. Ça suffit. T'as déjà emmerdé la moitié de la planète avec ton tambourin.
(Ô, inferno. Chega, né? Você já encheu o saco da metade do planeta com esse seu pandeiro)


Uh la la la la la la (Enfatizar muito) - Nesse caso, os "la las", que são seis, devem ser ditos ainda mais lentamente, de preferência desacelerando no final. Perfeito para acompanhar um "faire chier" bem colocado.

. Elle voulait absolument aller chez Ikea. Uh la la la la la la, que ça m'a fait chier, bordel.
(Ela queria de todas as maneiras ir à Ikea. Putaquepariu, como isso me encheu o saco)


Bof - Se ninguém entender quando você utilizar essas expressões acima, então apele para a bufada. Diga qualquer coisa, mesmo em português, e bufe no final. Mas com vontade. Pode ter certeza: você será compreendido na mesma hora.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Explicando o verão francês

Levou-me um ano e meio, mas esses dias tive o insight de que a questão do verão, ou da sua ausência, na França é muito mais do que uma simples consequência da posição do país no globo terrestre. É uma consequência semântica.

A explicação é simples.

Como se sabe, o vocábulo "verão" em francês é "été" (pronuncia-se êtê). Mas a mesma palavra é também o particípio passado do verbo "être", que é o equivalente aos nossos verbos "ser" e "estar". Portanto, "été" também significa "sido" ou "estado".

Percebe-se, pois, que já no vernáculo o conceito de verão na França é completamente ligado ao passado. A estação parece nunca vir. Já foi. E não tem perspectivas de volta.

Para ilustrar a teoria, escolhi completamente ao acaso uma frase juntando os dois sentidos de "été":

. L'été a été pourri. (O verão foi uma tragédia).

Já em português, a palavra "verão" soa semelhante à 3ª pessoa do plural do verbo "vir", conjugado no futuro: "virão". Ou seja, dá a sensação de algo que vai chegar sempre. E chegar de galera.

Para não parecer injusto, também selecionei aleatoriamente uma frase em português, contendo os dois termos citados.

. No verão, virão gatas bronzeadas de todos os lados.

Entenderam? É uma questão de perspectivas diferentes, causada pela gramática.

E já que tem passeata pra tudo em Paris, vou ver se junto alguns brasileiros para irmos às ruas exigir a troca do vocábulo que denomina a estação quente. Talvez por "veron", que parece "verão", com pronúncia e grafia afrancesadas.

Não sei se vai resolver. Mas vale a pena tentar.