sexta-feira, 14 de agosto de 2009

A impressionante Edith

Nas nossas conversas, quase monólogos, a Edith costumava abrir o hypertexto "imprimantes".

- Daniel, você conhece um pouco sobre impressoras?
- Sim, eu...
- Ótimo. Poderia me ajudar a escolher uma?
- É claro. Basta a gente...
- Que bom! Sabia que podia contar com você. Quando estaria disponível?
- Me liga quando você...
- Tu es un gentil garçon. Isso me fez lembrar de uma história que não te contei ainda. Tem tempo pra um café?

O "tem tempo para um café" é uma senha que significa, por baixo, mais uns 30 minutos de papo. A não ser que a minha vizinha faça uma improvável pausa no meio, onde dê para encaixar um "pardon, preciso ir agora, estou atrasadíssimo". Geralmente não dá.

O curioso é que, apesar de sempre mencionar a necessidade de uma impressora, ela acabou nunca me telefonando. Então eu acreditava ser esse apenas mais um dos assuntos do seu repertório, vasto repertório.

Se tagarelar é a atividade preferida da Edith, a segunda é sem dúvidas cuidar para que o mundo funcione bem. Isso inclui participar de forma engajada da associação do bairro, onde ajuda a organizar refeições slow food, projeções seguidas de debates ou ateliers de pintura abstrata. Marcar presença em todas as manifestações possíveis, pois, "a gente tem que protestar contra esse governo, contra a tirania americana, contra a exploração do povo, contra esses políticos corruptos, contra...". E ainda assumir a administração sindical do prédio no qual mora, onde morei também, mesmo que não seja paga para isso. Afinal "esse síndico é um banana, não faz nada, bla bla bla".

Ela é a única pessoa a ter as chaves do quadro de avisos do imóvel, e constantemente há novas mensagens, sempre manuscritas. Por ela, claro. Coisas como "Por favor, separe adequadamente o lixo. O gari não é pago para fazer o serviço que VOCÊ deveria fazer" ou "Não atire objetos pela janela. Se alguém se ferir, você será responsabilizado".

Eis q'um dia precisei voltar ao meu antigo prédio, a apenas 100 metros de onde moro atualmente, para aguar as plantas de uma amiga em viagem. E deparei-me com um enorme recado, desta vez fixado dentro do elevador. Mas a principal diferença é que estava impresso e em cores.

O conteúdo era algo sobre não deixar os objetos velhos nas partes comuns do edifício, visto que no verão muita gente aproveita para comprar móveis novos e acaba largando os antigos na garagem. A mensagem terminava com "Não nos deixe seus móveis de lembrança. Ligue para o serviço da Prefeitura de Paris. É fácil e gratuito". Assim mesmo, gratuito em destaque.

Dias depois cruzei com a minha vizinha na rua.

- Edith, você comprou enfim uma impressora?
- Comprei. Como você sabe?
- Palpite.
- A propósito, Daniel, tem tempo pra um café?
- Um café? É que hoje...
- Ótimo. Vamos lá no Omar. É por minha conta. Tenho mesmo várias coisas pra conversar com você. Não sei se já te contei que uma vez provei Guaraná Antártica, que minha avó era brasileira, que adoraria conhecer o Rio...

5 comentários:

Juliana disse...

Fala demais,intrometida,faz eventos Slow Food...eu sou parente da Edith???kkkkkkkk

Flavia Lorenzi disse...

gostei gostei! da edith! e do texto! e gosto tb de paris!

Cidade Cognitiva disse...

esta Edith, tudo transmite. um dia a mao, outro dia a máquina, preto e branco, colorido, mas, principalmente acompanhada por um ouvido e uma xícara de chá. quando for a Paris, diga o endereço antigo, vou lá escondido...

Unknown disse...

Ah, bom! Já estava com saudades da Edith... e, confesso, um pouco preocupada com o sumiço dela... afinal, uma pessoa assim como ela, falante e tudo mais, quando fica muito tempo em silêncio só pode ter acontecido alguma coisa de grave... ufa!
.
Bjs!

missbutcher disse...

Ah, comme les Français râlent!

Uma figura dona Edith.

Ah, sim, prazer, Isabel, igualmente jornalista, também em Paris.
Prazer e parabéns pelo blog, excelente.