sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Autour de Paris XIV - As catacumbas


Na noite de Natal, dois casais de turistas brasileiros estão perdidos nas catacumbas de Paris. Como companhia eles têm os 6 milhões de esqueletos ali guardados.

Santina (mulher do Klaus), iluminando o próprio rosto com a única lanterna que eles possuem - Quero saber o que vamos fazer agora. Quem vai ter a próxima idéia genial?

Klaus – É, quem vai ter?

Noel (marido na Natália, que vai aparecer mais pra frente) - Calma, Santina. Você tá mais ansiosa que madame em dia de liquidação.

Santina – Se você não tivesse inventado aquela história a gente não tinha se perdido.

Klaus – É, não tinha.

Noel – Tudo isso só porque chamei vocês em um canto pra encenar Macbeth com uma caveira na mão?

Santina – Hamlet, Noel.

Klaus – É, Hamlet.

Santina – Fez a gente se separar do grupo e ainda por cima recitou o texto errado.

Noel – Ué, não era “let it be, let it be, whisper words of wisdom, let it be”?

Santina – Claro que não. É “to be or not to be, that’s the question”. “Ser ou não ser, eis a questão”.

Klaus – É, a questão.

Noel – Mas agora não adianta ficarmos discutindo o texto das peças de Beethoven. Temos que pensar no que fazer. É noite de Natal, nossas famílias estão longe e ninguém vai sentir nossa falta até amanhã de manhã. Eu vejo duas soluções: a primeira é dormirmos aqui mesmo, no chão, com um de nós alternando na vigília.

Santina – Nem morta, Noel. Qual a segunda?

Noel – A segunda é disputarmos um concurso de sombras com as mãos. Eu faço um cavaleiro montado em um dragão cuspindo fogo e saltando corda que é imbatível.

Santina – Noel, não estou para brincadeiras.

Klaus – É, não estou.

Noel – Tem idéia melhor?

Santina – Acho que devemos continuar andando. Vamos acabar encontrando o grupo.

Noel – A essa hora eles já foram embora. E além do mais estamos andando em círculos. Tem um esqueleto ali atrás que até me reconhece. Já me fez sinal de positivo duas vezes.

A lanterna dá a primeira piscada.

Santina – Jesus Cristo!

Klaus – É, isto.

Noel – Precisamos pensar em algo. Estamos a 20 metros embaixo da terra. Os telefones não funcionam. A lanterna vai pifar em breve. Se gritarmos ninguém vai escutar. E o pior é que eu vou perder o Natal do Faustão, que vai passar ao vivo na internet.

Santina, fazendo boca de choro – Não posso morrer agora! Eu tenho três filhos, cinco cachorros e um panettone me esperando.

Noel – Se tivesse um panettone me esperando eu preferia ficar por aqui mesmo.

A lanterna dá a segunda piscada, dessa vez mais longa. Natália, que é engenheira eletrônica formada pelo ITA e tem conhecimentos avançados em informática, pega todos os celulares e vai pra um canto improvisar uma bricolagem. Volta dois minutos depois.

Natália – Consegui fazer uma pilha super forte somando as baterias dos nossos celulares. Desmontei os aparelhos e com a ajuda de um grampo de cabelo coloquei-os em conexão. Assim as antenas também somaram potência e deu pra captar um sinal de rede vindo do lado de fora. Bem fraco, mas suficiente para eu conseguir enviar um e-mail curto para nossas famílias no Brasil, avisando-os da gravidade da situação e pedindo que tomem providência urgente. Fiz tudo isso antes que as baterias explodissem.

Noel – E o que você disse?

Natália – Estamos com probleminha. Favor gravar Natal Faustão. Beijos.

Santina – Ai, meu Deus, tenha piedade de nós.

Klaus – É nós!

E a lanterna pifa de vez.
Esse texto faz parte da série "Autour de Paris", de crônicas dedicadas a cada um dos bairros da cidade. Para ler os outros, clique aqui.

5 comentários:

Unknown disse...

Ai, Natal do Faustão é triste, hein?
Hahaha

Mami disse...

Tudo bem. Só discordo da referência ao panetone, pq é muito bommmmmmmmm!!!!!!!!!
Bjs,
Mami

Pedro Paulo disse...

Melhor ficar preso nas catacumbas do que ter que aguentar o Faustão. Tenho dito!

Maíra K. disse...

Olha, vou ter que concordar com o comentário de cima... uma noite nas catacumbas é bem melhor do que o Natal do Faustão.

Bem bacana a ideia da série de contos sobre os bairros de Paris. Tá bem fácil e gostoso de ler, muito legal!

Camila Santos disse...

Pra variar, excelente texto. Já pensou em publicar essa série dedicada aos bairros de Paris? Junto com algumas dicas bem humoradas e uns mapinhas, seria um ótimo guia de viagem e uma leitura para passar o tempo. Depois me dá os 10% pela idéia, viu? :)