sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Autour de Paris XX - Com Jim Morrison no Père Lachaise


Devo ter alguma coisa mórbida em mim, ali meio escondida, porque sempre que aparece algum amigo por Paris eu acabo levando o cara pra ver o túmulo do Jim Morrison. No labirinto que é o cemitério do Père Lachaise, já sei chegar no cara de olhos fechados.

Da última vez rolou uma parada meio estranha. Enquanto meu amigo da vez se acotovelava com outros fãs do Doors para tirar uma foto da última morada do cantor, eu me afastei um pouco para evitar a aglomeração. Fui andando meio sem rumo e sentei-me em uma sepultura qualquer. Quando olhei pro lado percebi que alguém dividia aquele banco improvisado comigo. O cara me era familiar e foi ele quem puxou papo.

- Te falar... Tô de saco cheio disso.
- Hã?
- Essa peregrinação, não aguento mais. Isso aqui virou uma Meca dos malucrazys, dos roqueiros, dos ripongas, dos motoqueiros, dos sujinhos e dos saudosos de Woodstock, mesmo que estes não tenham ido a Woodstock.
- Desculpe, não estou entendendo...
- Veja você que até fã do Raul vem aqui, um ou dois por dia.
- Do Raul Seixas?
- Já, claro. Mas quem é você?
- Porra, Daniel. Tá me reconhecendo não?
- Bicho, você é a cara do Jim Morrison, mas nunca te vi mais gordo.
- Sei que estou fora de forma, conservei o físico que tinha quando me fui, era uma época de excessos. Mas ainda sou eu, caramba, o Rei Lagarto.
- Jim?
- O próprio.
- Mas você não morreu?
- Tem uns que dizem que sim, tem outros que teorizam que apenas mudei de estado físico. Tem até uns doidões que dizem ter me visto pelas ruas, em companhia de Elvis. O meu companheiro de morada Allan Kardec, que tem uma super tumba com linda vista pro poente logo ali, pode te explicar tudo isso melhor.
- Deixa o Kardec pra próxima. O que você quer comigo?
- Nada, só bater papo mesmo. Sei que você conhece bem nossos discos, sabe nossa história em linhas gerais, tem uns interesses em comum com os que tinha, curte música. Se eu ainda estivesse vivo, te convidaria pra três ou quatro whiskies.
- Quatro doses pra mim é muito.
- Não, tô falando de quatro litros, como nos meus bons tempos. Mas de qualquer maneira eu parei com essa vida há quase 40 anos. Sacou o duplo sentido de “parei com essa vida”?
- Saquei. Mas você já foi melhor, Jim.
- Talvez a sua imaginação é que já tenha sido melhor. Porque posso muito bem ser apenas fruto dela.
- Isso jamais vou saber.
- Verdade. Mas como eu estava dizendo quando você apareceu aqui, tô cansado dessa reunião diária de malucos no meu cafofo. É como naquela música que o Chico fez pra mim, onde ele diz “Jim está de saco cheio”.
- Ô, seu egocêntrico. Ele diz “Deus está de saco cheio”.
- Caramba, jurava que era Jim. Meu português nunca foi bom. De qualquer maneira, teve um tempo que achei mesmo que eu era Deus, então a música ainda serve pra mim.
- Continua o que você estava dizendo.
- Claro, claro. Vou dar um exemplo, pra você entender melhor. Veja o Oscar Wilde, o túmulo dele é uma beleza, cheio de marcas de batom. Tem escultura e o escambau. Toda mulher que passa ali deixa um beijo na sua sepultura, e olha que ele era gay. Eu, o xamã do rock, vivia cercado de gatas selvagens e agora só atraio bicho-grilo e descabelado. Nego vem aqui, faz um verdadeiro despacho de cigarro e bebida na minha tumba, grita “let it roll, baby, roll” em coro e acha isso maneiro. Porra, nem eu aguento mais essa música.
- Acho que entendo o que você quer dizer. Prefere que eu pare de trazer meus amigos pra cá?
- Não precisa tanto, mas da próxima vez traz umas amigas também.
- Vou tentar.
- E vou te dar mais um exemplo. O meu colega de profissão, Chopin. As pessoas vão até o belo jazigo dele, param em frente ao busto, assoviam duas ou três melodias...
- Jim, duvido que a maioria das pessoas conheça duas melodias de Chopin.
- É verdade que normalmente assoviam Mozart ou Beethoven, mas o que vale é a intenção. É esse tipo de reverência que me agradaria, uma coisa mais serena como Chopin, mais feminina como Oscar Wilde e mais respeitosa como Kardec.
- Anotado. Vou passar sua mensagem adiante.
- Valeu, Daniel. Tu é brother.
- Jim, posso fazer só um pedido? Um resquício de adolescência me atacou agora.
- Manda ver. Se eu puder atender...
- Dá pra cantar um pedacinho de Roadhouse Blues? Só o “let it roll, baby, roll”?

Nesse exato instante, Jim Morrison desapareceu para sempre em uma grossa cortina de fumaça.
Esse texto faz parte da série "Autour de Paris", de crônicas dedicadas a cada um dos bairros da cidade. Para ler os outros, clique aqui.

4 comentários:

Mami disse...

Oi Dani, gostei muito, talvez um pouco fantasmagórica. Só acho que vc esqueceu de Samuel Hahnemann, o pai da homeopatia, que tb está por lá. Quem sabe ele poderia ajudar o Jim? Dar uns conselhos .......
Um beijo,
Mami

Camila Santos disse...

Ai, adoraria visitar o túmulo do Jim. Com certeza iria gritar let it roll baby roll.

Luiz Fernando disse...

continue tentando, quando ficar bom vc posta ;x

Thadeu disse...

haha massa!