sexta-feira, 29 de abril de 2011

A festa da Louise


1º de maio a Louise faz um ano. Dia desses a Charlotte e eu estávamos conversando com ela em uma língua só nossa e fechamos a relação dos convidados para a festa, que ocorrerá em Marseille. Não fique triste se você foi excluído, pois a lista é muito mais restrita do que a de um tal casamento real que ocorre no mesmo fim de semana.


São eles os agraciados:

. Edouard, le canard – Edouard é o pato de pelúcia da Louise, com o qual ela dorme abraçada todos os dias e que vai sempre à creche com ela. Por isso podemos considerá-lo como seu companheiro. Condição privilegiada, é verdade, mas que ele é obrigado a compartilhar com um rival.

. Doudou – Também de pelúcia, Doudou parece um espantalho vestido de vermelho e verde. Dorme do outro lado do berço, um pouco afastado do Edouard, que tem o triplo do seu tamanho e um bico ameaçador. Ao contrário do pato, Doudou não sai do berço nunca (talvez com medo de perder a vaga), mas já concordou em abrir uma exceção para comparecer à festança.

. Sebastião e seus companheiros azulados – No mundo maravilhoso da Louise há diversos animais azuis. O chefe da trupe é o macaco Sebastião, com seu rabo multicolorido. E ele está sempre na companhia da foca Fábia, da baleia inflável Jussara, do carneiro Jacques e do Zélefante. Este, coitado, foi fabricado em duas partes e vive perdendo a cabeça pelos cantos da casa.

. Sophie, la girafe – A girafa de borracha Sophie tem a grande qualidade de se deixar morder, pisar, entortar, esmagar, babar e esticar sem nada dizer. Até porque girafa não fala mesmo. Tão muda quanto suas milhões de irmãs espalhadas pela França, a Sophie da Louise confirmou presença balançando o pescoço depois de levar uma sacodida finalizada por uma big esborrachada contra a parede.

. A gangue dos coelhos – Da última vez que contei eram três, mas parece que dois novos já chegaram pra aumentar a turma. Tem até um azul, que recusou um convite para se juntar à trupe de Sebastião: “prefiro ficar entre os meus”, disse. Para bem receber o grupo, a aniversariante já encomendou um estoque extra de cenouras de pelúcia.

. Alfredo – Apesar da grafia brasileira, a pronúncia é afrancesada: Alfrredô. Errar no sotaque é considerada uma gafe imperdoável. Os que deslizarem estarão sujeitos à ira da aniversariante, riscando levar uma babada.

. Os irmãos úmidos – A vaca Vilma, o suíno Sílvio e o pelicano Paulo são presenças constantes no banho da Louise, que insiste em afogá-los. Longe de irritá-los, o caldo diário parece agradar os irmãos, que prometeram chegar limpos e penteados para a comemoração


E há também algumas ausências, que serão igualmente sentidas:

. Psycho Emily – A variante psicodélica da boneca Emília, com seu sorriso mezzo Mona Lisa, mezzo Janis Joplin, já disse que não irá ao convescote. Prefere ficar em Paris, esticadona no tapete, olhando para o teto, curtindo uma vibe só dela.

. Olive – O pato Olive chegou à casa depois do Edouard, por isso nos assuntos patéticos ele nunca tem a palavra final. Pra descolar um convite, Olive tentou se disfarçar de marreco, mas foi involuntariamente desmascarado pela própria Louise, que tentou comer seu chapéu marrom e branco. Quando descobriu a tentativa de farsa, Edouard decretou: “Olive não vai! Quém quém manda aqui sou eu.”

Por fim, é importante ressaltar que a Louise também autorizou a presença de alguns poucos adultos, na medida do possível e do espaço disponível, depois que todos os convidados de honra já tiverem sido instalados ao seu lado na mesa.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Colocando a cabeça de fora


Nada me tira da cabeça que Nicolas Sarkozy traçou como objetivo de vida ser o presidente mais impopular da história da França. E tudo o que ele faz me leva a crer que essa meta tornou-se uma verdadeira obsessão. Imagino a reunião ministerial antes da tomada recente de mais uma decisão polêmica, a proibição das burcas.

Ministro 1 (coloco em números, porque todos parecem a mesma pessoa) – Sarkô, péssima notícia.
Sarkô- O que foi agora, vai dizer que o Bush cancelou o passeio de barco?
Ministro 1 – Não, isso tá confirmado. Só tivemos que dispensar o Mubarak, que a coisa ficou feia pro lado dele.
Sarkô – Tudo bem, o Mubarak que se entenda com suas esfinges. Mas qual é a má notícia?
Ministro 1 – Você conta, Ministro 2?
Ministro 2 – Bom, é que...
Sarkô – Vamos, desembucha, não tenho o dia inteiro. Ainda preciso telefonar pro Berlusconi pra combinar a próxima festa na casa dele.
Ministro 2 – Não sei como dizer, mas parece que a sua popularidade aumentou.
Sarkô – O quê? Aumentou? Como assim? Quem foi o incompetente que deixou isso acontecer?
Ministro 2 – Foi... Foi você.
Sarkô – Eu??? De jeito nenhum. Semana passada mesmo mandei expulsar os ciganos do nosso território. Deu na TV, no rádio, nos jornais, na internet. Tinha cigana reclamando, ciganinho chorando e ciganão bigodudo revoltado. Uma verdadeira crise midiatizada, perfeita para gerar revolta na população.
Ministro 3 – Mas senhor... Quem tinha que se revoltar já se revoltou faz tempo. Parece que a extrema direita gostou muito do que você fez e foi nesse setor que você cresceu.
Sarkô – Merde! Isso não pode continuar assim. Vamos expulsar uns turistas ainda no aeroporto, de preferência brasileiros. Todo mundo acha brasileiro simpático? Pois eu não. Vai dar uma repercussão enorme.
Ministro 1 – Já fizemos isso uns dois anos atrás, não tem mais efeito.
Sarkô – Então podemos elevar a idade mínima de aposentadoria. Vai incomodar franceses de todas as gerações. Calculo que dê pra perder mais uns 4 ou 5 pontos de popularidade só com essa medida.
Ministro 2 – Isso também já foi feito. Teve passeata e tudo, não lembra?
Sarkô – E você acha que eu perco meu tempo acompanhando esses desfiles estudantis? Esses moleques nem sabem porque estão ali, vão pras ruas pra matar aula, paquerar e fumar bagulho.
Ministro 3 – O que mais podemos fazer?
Sarkô – Uma guerra. Uma guerrinha de nada, coisa pouca, mandar uma meia dúzia de mísseis em um país qualquer. Cada bomba que cair eu caio junto.
Ministro 1 – Acabamos de bombardear a Líbia, Sarkô, e nada mudou.
Sarkô – Zut, alors! Por que ninguém me conta essas coisas?
Ministro 2 – Mas foi você mesmo que decidiu.
Sarkô – Tem razão. É que é tão difícil manter-se impopular que às vezes me esqueço do que já fiz.
Ministro 3 – Você é bom em ser ruim, Sarkô.
Sarkô – Obrigado, mas você sabe que detesto bajulação. Peraí... E se a gente proibisse o uso da burca?
Ministro 1 – Como assim?
Sarkô – A partir de agora, nenhuma mulher poderá mais usar a burca em território francês.
Ministros em coro – Sensacional!
Ministro 1 – Isso vai ser uma agressão às mulheres árabes.
Ministro 2 – Não só às mulheres, mas aos árabes e suas tradições.
Ministro 3 – E a todo mundo que defende a liberdade cultural ou de expressão.
Ministro 1 – Você é uma cobra, Sarkô. Três coelhos com uma cajadada. Vai ter um grande impacto na opinião pública. Sua queda vai ser vertiginosa.
Sarkô – Liberté, égalité, fraternité? Pra quê?
Ministros em coro, batendo palmas – Au, au, au, Sarkozy é genial!
Sarkô – Estamos de acordo, então?
Ministros em coro – Estamos!
Sarkô – Vamos mandar ver?
Ministros em coro – Vamos!
Ministro 1 – Sarkô, já vou convocar a imprensa. Chamo a Carla Bruni pra estar ao seu lado quando você fizer o anúncio?
Sarkô – Tá doido, Ministro 1? Se ela der um sorrisinho pras câmeras o pessoal vai acabar achando simpático. E aí estraga tudo.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

En train de râler


Um casal parisiense sai atrasado de casa para pegar um trem na gare de Lyon.

- Cinco minutos, faltam cinco minutos.
- Não fala, corre!
- Tô correndo, tô correndo. Ufff.
- Merde!
- Que foi?
- Pisei num cocô de cachorro.
- Chegando no trem você limpa na cadeira no vizinho.
- Ele vai reclamar do cheiro.
- Do cheiro? Alô, estamos em Paris!
- Isso se a gente conseguir chegar. O trem sai pontualmente em quatro minutos.
- Putain! Tanta coisa pra copiar da Inglaterra, como o rock, o ônibus de dois andares e a Naomi Campbell, e a França copia essa maldita pontualidade.
- Podia ser pior. Podia copiar a família real, com o príncipe Charles incluso.
- O príncipe Charles tem seus méritos. É o único homem no mundo que teve uma amante com cara de esposa e uma esposa com cara de amante.
- Vamos parar de gracinha e apertar o passo, só temos três minutos agora.
- Não vai dar tempo, não vai dar.
- Se você reclamar menos a gente consegue correr mais.
- Se eu reclamar menos a minha existência perde o sentido.
- Allez, allez! Não vamos desistir, a estação está logo ali na frente.
- Quem falou em desistir? Se não pegarmos o trem pelo menos vou ter um motivo pra bater boca com a companhia ferroviária. Uma boa discussão pontuada por bufadas e palavrões bem colocados pode ser melhor do que uma viagem.
- Dois minutos!
- Tô vendo o trem, é aquele ali.
- Não. É o outro, mais longe.
- Corre!
- Tô correndo, só que tem fila pra entrar.
- Mais quelle bande de connards.
- Um minuto, falta um minuto!
- Fura a fila.
- Mas já tá cheio de gente furando.
- Até parece que você não é parisiense. Fura a fila dos que estão furando a fila, pela direita.
- Vamos lá.

- Conseguimos! Estamos no trem, sentados.
- Ufa...
- Mas e aí, essa carroça sai ou não sai? Ei, chauffeur, não temos o dia todo. Allez, allez!

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Daniel, mas pode me chamar de Christian


Durante quase um ano uma amiga minha me chamou de Christian. O nome dela é Carol e ela é muito gozadora, tanto que no começo imaginei se tratar de uma brincadeira, mas logo descobri que não. É claro, levei a história adiante.

- É Christian de quê mesmo?
- Cariello, Christian Cariello.

Essa peripécia rapidamente se espalhou entre nossos muitos amigos em comum, que faziam questão de não revelar à Carol a minha verdadeira alcunha. Até que um dia, quando estávamos todos em um bar, ela chegou e foi cumprimentando um por um. A mesa ficou em silêncio, esperando ela falar comigo.

- Oi, Christian!

A risada foi instantânea, geral e muito alta. Todo mundo achou graça, menos a pobre da Carol, que não entendia nada e limitava-se a dar aquela risadinha de cumplicidade, enquanto perguntava o que estava acontecendo. Demorou pra alguém recuperar o fôlego e explicar a situação.

- Como você o chamou?
- Christian, ué.
- O nome dele é Daniel! - E todos caíram no riso mais uma vez.

Brava, a Carol me deu uns dois ou três cascudos, reclamando que eu nunca a havia corrigido. Justifiquei-me dizendo que ela nunca havia perguntado e além do mais eu achava Christian simpático. O episódio foi marcante na nossa turma de amigos e ainda hoje rimos quando lembramos dele.

Desde então, as pessoas entenderam que era mais fácil mesmo me chamar de Daniel, afinal assim fui registrado. Isso funcionou sem problemas até um dia desses, quando uma outra confusão aconteceu, envolvendo o simpático editor de um grande site que republica regularmente minhas crônicas. Vamos chamá-lo de José, pois já que ele trocou meu nome eu troco o dele também.

Eis que o José enviou um e-mail desses que vão pra muita gente alertando sobre a atualização do seu portal, destacando alguns textos que acabara de colocar no ar e seus respectivos autores. Uma crônica minha estava lá, mas erroneamente creditada a um tal de Hugo Camelo, que por sinal até existe e vem a ser amigo meu.

Gentilmente, enviei a ele uma mensagem, alertando o ocorrido.

“Oi, José. Queria te pedir uma coisinha. Já é a segunda vez que recebo um e-mail dizendo que foi o Hugo Camelo (que é um grande amigo) quem escreveu a minha crônica. Pode corrigir isso, por favor? Daniel Cariello”

O José é sempre cheio de boa vontade, mas acabou se enrolando.

“Mil perdões, Hugo! Como associo vocês dois (por serem de Paris e terem começado a colaborar com o site mais ou menos ao mesmo tempo); e como estava em contato com o Daniel um pouquinho antes de publicar, confundi de novo. “

Aí fui eu que não entendi mais nada. Tive que escrever pra ele de novo, pra ter certeza de que quem estava ficando maluco era ele, e não eu.

“Vixe, agora você trocou as bolas de vez, José. Eu sou o Daniel e estou escrevendo pra você mudar o nome no e-mail que você envia. O certo não é o do Hugo Camelo, mas o meu, Daniel Cariello.“

Dessa vez a resposta sempre instantânea do José demorou um bocado, como se ele estivesse verificando aquela história toda, que devia lhe parecer muito estranha. Fui dar uma olhada no tal site e constatei que todas as ocorrências do meu nome haviam sido trocadas pelo do meu agora rival (e usurpador involuntário) Hugo Camelo. Já estava prestes a pegar o telefone para fazer um DDI pro Brasil e explicar pro José que finalmente eu me chamava mesmo Hugo Camelo, mas preferia assinar como Daniel Cariello, se ele não se importasse. Nessa hora chegou um novo e-mail, colocando as coisas em ordem.

“Daniel, não te conto o pior: cheguei a alterar o site, assinando tua coluna como Hugo Camelo. Durou menos de um minuto. Veio uma luz e resolvi conferir. Constatei o erro, realterei no site. Bom, vou parar por aqui, pra não virar personagem das tuas crônicas ótimas e engraçadíssimas. Abração, Hugo.“

Tarde demais, José.
Ps: não é a primeira vez que me chamam de Hugo

sexta-feira, 1 de abril de 2011

O pipoqueiro da fonte


Passeando com dois amigos que, como eu, também moraram em Brasília e estavam de passagem pela cidade, acabamos parando em uma pracinha nos fundos do Memorial JK. A idéia era ver o pôr do sol, espetáculo mais deslumbrante na capital do Brasil do que em qualquer outro lugar que conheço.

Ao chegarmos lá, dupla decepção. A primeira pelo tempo, que fechou de uma hora pra outra e tapou a visão do sol. A segunda pela conservação da tal pracinha. Mesmo localizada ao lado de um dos mais importantes pontos turísticos da cidade, estava abandonada, cheia de lixo e sem nenhuma vida. Logo ali, de onde se tem uma visão de 360º do céu, que alguém já descreveu como “o mar de Brasília”.

Com um misto de tristeza e decepção pelo estado do lugar, começamos a fazer uma lista do que, acreditávamos, poderia mudar por ali.

- Esse fosso em torno da praça tá vazio. Tem que colocar água.
- E os patos. Cadê os patos?
- Precisa arrancar esse mato também.
- Pra mim, o que falta é um pipoqueiro. – Disse.
- Pipoqueiro? – Perguntaram os outros.
- Isso. Um pipoqueiro é a síntese de tudo isso. Para um pipoqueiro vir até aqui, o lugar precisa estar bem conservado, limpo, agradável. Enfim, precisa atrair gente, principalmente crianças. Se tem criança e pipoqueiro, o ambiente é alegre e o ponto turístico é sem dúvida um sucesso. – Completei.
- O problema é que Brasília não é feita para o turismo, ninguém pensa nisso por aqui.
- É verdade. – Conformamo-nos todos.

Voltamos para o carro pensando nessa história do pipoqueiro e continuamos nosso giro pela cidade onde crescemos, tão saudosos que estávamos de Brasília e principalmente uns dos outros. Ao passar pela Torre de TV, percebemos perplexos que a famosa fonte luminosa estava ligada. Nenhum de nós três havia jamais visitado a fonte, que passara anos desativada. Sem hesitar, sugerimos quase em coro.

- E se parássemos ali?

Encostamos o carro e ficamos surpresos pela segunda vez: o lugar estava lotado! Olhamos uns para os outros, comentando que ali nem parecia Brasília. Nesse instante, como se tudo fizesse parte de um grande plano para nos ensinar a olhar com outros olhos o que já conhecemos, o espetáculo começou: a fonte passou a jorrar água nas mais variadas formas, em pequenos e grossos esguichos que se entrelaçavam, em nuvens de vapor, em chafarizes menores que moldavam o líquido como se fossem chamas (não me pergunte como faziam isso). Tudo sincronizado com luzes e música, chegando ao requinte máximo de haver projeções de imagens e filmes nas cortinas formadas pelas minúsculas partículas de água.

Nosso espanto tornou-se ainda maior quando um de nós reparou em algo que os outros ainda não tinham notado.

- Vejam, o lugar está cheio de pipoqueiros. Quem quer um saquinho?

Peguei um da salgada e continuei a observar a fonte, cercado de crianças.