sexta-feira, 27 de maio de 2011

Tomy Raquette, estrela do tênis


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Essa semana estou cobrindo o torneio de Roland Garros,
escrevendo crônicas diárias para o Tênis Brasil, o maior site brasileiro de tênis. O texto que publico hoje por aqui é o que foi publicado ontem por lá, na coluna Diário de Paris. Vale a pena visitar o site.
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Nova revelação do tênis mundial, Tomy Raquette começou a vida esportiva em outro campo, o de futebol. Atacante e porta-voz da pequena equipe Pau de Sebo FC, ele decidiu trocar a bola grande pela pequena depois de saber dos prêmios da modalidade e de ver uma foto da Sharapova.

O Diário de Paris entrevistou Raquette após o último jogo do qualifying para Roland Garros. O jogador havia acabado de garantir vaga para o torneio principal e já estava sendo considerado uma possível ameaça ao reinado de Nadal. Mas na véspera da estreia teve uma intoxicação depois de comer 26 croissants, “porque um só não enchia nem o buraco da cárie”, e foi obrigado a abandonar a competição.

Cumprindo seu dever de praticar sempre o melhor jornalismo, o Diário de Paris publica a exclusiva com Tomy Raquette, de quem vocês certamente ainda ouvirão muito falar.

Tomy, como foi o jogo?
O jogo foi bom, com a graça de Deus. O professor disse pra gente se deslocar-se na quadra e a gente seguiu ao risco as instruções dele e se deslocou-me bem.

É mais uma vitória pro entrar seu currículo...
Ô, rapaz, mais respeito. Não tem essa de currículo não.

Tô dizendo que é mais uma vitória pra sua carreira
Sim, a gente vencemos bem e conquistamos os três pontos.

Você quer dizer os três sets...
Isso, os três sétimos.

Agora você vai encarar Roland Garros, aqui em Paris
Não quero saber quem esse tal de Rolando garrou em Paris, não. Mas ouvi dizer que todo jogo ele dá sempre o melhor de sigo. Então, quando a gente se encontrar, tudo o que posso dizer é que também vamos dar o melhor de nosco.

Já estão considerando você como um dos favoritos para o torneio. Você pode explicar um pouco o seu jogo?
Meu jogo tá bom, melhorou muito depois que o professor ensinou pra gente umas dicas.

E o que foi?
Ele disse: quando a bola vier, você rebate e tenta mandá-la onde o adversário não estiver.

Parece que você andou também treinando umas devoluções pela esquerda
O professor tá fazendo a gente trabalhar bem o braço esquerdo. Já posso dizer que é com certeza o meu segundo melhor braço.

Como é ter que enfrentar o Djokovic logo na primeira rodada?
Quem?

Djokovic, o sérvio.
Ih, rapaz, não sabia que ele tinha saído do Flamengo. Tomamos muita cana juntos. Agora ele tá no tênis também, é?

Pra finalizar, você quer mandar um recado especial pra alguém no Brasil?
Quero sim, pra minha mãe: “Mãe, acho que deixei o ferro de passar ligado. Dá pra senhora desligar pra mim? Um beijo.”

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Entrando pelo Kahn


O trocadilho é tão inevitável quanto besta, mas a sensação geral na França é de que Dominique realmente Strauss pelo Kahn. O agora ex-chefe do FMI e ex-favorito à sucessão de Sarkozy procura uma maneira de explicar a grande lambança que envolve o seu nome e o seu inominável. Em um furo mundial, o Chéri à Paris descobriu as três linhas da defesa que ele pretende apresentar.

Primeira linha
- Mas, seu juiz, eu não fiz nada de errado.
- Como assim? O senhor está sendo acusado de abuso sexual e diz que não fez nada de errado?
- Tudo aconteceu quando fui pagar a conta do quarto. Como gerente do dinheiro do mundo inteiro, prefiro pagar as faturas antes, porque aí a grana volta mais rápido pros cofres do FMI.
- Continue, senhor Kahn.
- Eu perguntei pro atendende quanto devia. Ele respondeu: “Cinco mil dólares”.
- Cinco mil por um quarto, senhor Kahn?
- Foi exatamente o que perguntei pra ele: “Cinco mil por um quarto?“
- E o que ele respondeu?
- Ele falou: “É, cinco mil dólares, mas todos os serviços estão inclusos”. Eu falei: “Por esse preço, ainda é pouco”.
- Realmente, é pouco.
- Então eu insisti, eu sempre quero mais. E aí ele completou: “E, é claro, todos os funcionários do hotel estarão à sua inteira disposição”. Viu? À inteira disposição. Foi ele mesmo quem disse!

Segunda linha
- Seu juiz, quando a camareira falou que sonhava em ver a minha eleição, eu entendi “ereção”. Como o senhor pode ver, é culpa do sotaque dela.

Terceira linha
- Seu juiz, a culpa é do Obama.
- Senhor Kahn, o que está tentando insinuar contra o nosso presidente?
- Acontece, seu juiz, que a camareira e eu estávamos tendo uma conversa amena sobre os Estados Unidos. E ela me confessou um grande orgulho em ser governada pelo senhor Obama.
- Todos nós temos muito orgulho, senhor Kahn.
- Ela me falava da campanha presidencial, da mobilização da população, do slogan.
- Continue...
- Ela disse em voz forte: “Yes, we can.”. Eu repeti: “Yes, we can”. Aí ela ficou de pé, abriu os braços e gritou com força: “Yes, I Kahn”.
- E você?
- Depois dessa convocação? Yes, I créu, of course.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

A caixinha de música de André Bissonnet


Foi por acaso que descobri a pequena loja de instrumentos musicais antigos de André Bissonnet, localizada pertinho da place des Vosges, na rue du Pas de la Mule. O que primeiro chamou minha atenção foi um velho mandolim, cujo corpo finalizava perto do braço em uma espécie de rococó. Intrigado, parei pra observar melhor a vitrine e fiquei ali uns bons minutos, fascinado com aquelas relíquias que nunca havia visto, como um violino fundido com um trompete ou uma estranha espécie de cello, chamada cécilium.

“Nada disso deve funcionar”, pensei comigo mesmo, até a porta da loja se abrir e permitir chegar aos meus ouvidos um som que remetia a um outro tempo. Entrei e me espantei ao ver que um senhor com seus 60 e poucos anos tocava um cravo do século XVIII, tão conservado que parecia ter sido fabricado uma semana antes. Eu olhava aquele acervo com muita curiosidade, mas não ousava encostar em objetos aparentemente tão preciosos.

- Pode mexer, se quiser, disse sorrindo o senhor. Arrisquei pressionar o dó mais grave e depois o mais agudo, só pra sentir como é dedilhar uma peça tão antiga.
- Parece afinado, falei.
- Não parece, ele está. Os instrumentos daqui estão sempre afinados.
- É você quem afina?
- Sim, eu sei tocar um pouquinho cada um deles.

Fixei meu olhar incrédulo em uma harpa escondida num canto, meio lançando um desafio. Ele puxou-a para si e dela fez sair uma bela melodia. Depois encorajou-me a tentar o mesmo. Satisfiz-me em passar a mão lentamente pelas cordas, mais uma vez apenas pelo prazer de dedilhar uma obra de arte. Agradeci ao simpático senhor e continuei minha caminhada pelo Marais.

Depois desse dia, passei a voltar à loja com uma certa periodicidade, fosse pelo prazer de entrar ali e escutar sons tão diferentes quanto belos, fosse para mostrar aquelas preciosidades aos amigos e parentes. A visita àquele templo era inevitavelmente acompanhada de um pensamento: “E quando ele decidir se aposentar, quem vai cuidar disso tudo?”.

Na última segunda-feira levei meus pais para conhecerem o lugar. Entre as dezenas de violões, alaúdes, pianos, flautas e gaitas, notei que havia uma nova peça.

- E isso, o que é?
- Uma cítara indiana. Mas não uma tradicional. Essa fica deitada no chão e só tem seis cordas, de metal.
- Quanto custa?
- Duzentos e cinquenta, mas faço por duzentos.
- Tá em liquidação?, brinquei.
- É que sexta-feira fecho a loja.
- Vai reformar?
- Não, vou entregar o ponto. Essa semana é a última. Estou aqui há 42 anos e acho que chegou a hora de dar uma descansada.

Fiquei sem palavras. Minha vontade era pedir para ele tocar todos aqueles instrumentos que ainda não havia escutado. Não, era comprar aquela loja com tudo o que tinha dentro. Não, não, meu real desejo era que ele continuasse sempre por ali, envelhecendo e melhorando, como aquelas preciosidades das quais cuidou tão bem durante as últimas quatro décadas.

Sem saber o que fazer, pedi para ele me mostrar o tal mandolim que me fez parar por ali pela primeira vez. Ele tirou-o da vitrine e começou a tocar e cantar O Sole Mio, entremeando a história do instrumento e a letra da música.

Despedi-me pela última vez do incrível universo de André Bissonnet, desejando-lhe boa sorte no novo caminho.

- C’est la vie, mon ami, c’est la vie!, respondeu, sorrindo e cantando.

Ao virar a esquina ainda dava pra escutar a música, ao longe.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Brasiliá à Paris


Projetada por Oscar Niemeyer, a sede do Partido Comunista Francês é um pedaço de Brasília no meio de Paris. No dia em que inventarem o teletransporte, o viajante que porventura desembarcar ali vai olhar muito desconfiado em volta e pedir reembolso do bilhete, alegando que chegou ao país errado.

- Ué, desci em Brasiliá?
- Non, monsieur, Paris.
- Tá tirando onda comigo, rapaz?

Embora já tivesse passado diversas vezes em frente à incrível construção modernista, ontem finalmente tive a chance de conhecê-lo por dentro, aproveitando que por ali havia um vernissage de uma exposição de quadros justamente sobre a capital brasileira. Assim matei a curiosidade e a fome de uma vez só. E pude apreciar o belo projeto niemeyriano bicando salgadinhos frios e refrigerantes quentes financiados pela bolsa artista dos camaradas franceses, que estão precisando liberar uma nova verba para um microondas e um frigobar. De preferência made in China.

Em frente à recepção havia um sujeito descabelado e com cara de artista incompreendido. Cheguei pra falar com ele e me identificar como provavelmente o único brasiliense presente.

- É você o pintor?
- Pas du tout. Ele está ali. - E me mostrou um engomadinho com cara de recepcionista.

Deixei o engomadinho no seu canto e engatei um papo com o descabelado, que me contou ser o responsável pelas visitas guiadas no prédio e me perguntou se eu era mesmo de Brasília.

- Sou sim.
- Nascido lá?
- Oui.
- Nascido e criado?
- E batizado também.
- Batizado? Valha-me São Marx.

Curioso de ver um specimen exoticus, o cidadão me cobria de perguntas.

- Como é Brasília?
- Parece com isso aqui.
- E as pessoas?
- Parecem com as que estão aqui também, duas pernas, dois braços e uma só cabeça.
- E o Lúcio Costa?
- Esse também tem duas pernas, dois braços e uma só cabeça.
- É verdade que ele é meio francês?
- É, nasceu em Toulon, sul da França.
- Por quê?
- Talvez porque seus pais estivessem por lá na época. Ou ao menos a sua mãe.
- Isso faz um certo sentido.

Com a conversa engatada, o simpático descabelado me levou para conhecer uma sala de reuniões, na qual figurava uma enorme planta de Niemeyer, e ainda liberou o acesso à famosa cúpula, tão bonita quanto a do Congresso Nacional brasileiro. Logo me interpelou novamente.

- E o Niemeyer, você conhece?
- Conheci criança, meu pai trabalhou com ele.
- Seu pai trabalhou com o maior arquiteto do mundo?
- Ele não é tão grande assim, metro e sessenta, no máximo.
- Hã?
- Nada, eu falei isso quando era criança. Na época causou mais impacto.

E fui embora dali consciente da sorte de ser de Brasília, uma obra de arte a céu aberto. A cidade mais dessemelhante que conheço. Lugar amado por uns e odiado por outros, mas ao qual ninguém fica indiferente.