sexta-feira, 25 de novembro de 2011

C’est pas normal

“Ce n’est pas” e sua abreviação “c’est pas” significam “não é” em português. Ou deveriam significar. Só que nem sempre é assim.

. “C’est pas mal” literalmente quer dizer “não é ruim” e na verdade significa que é bom.
. “C’est pas si mal” literalmente quer dizer “não é tão ruim” e na verdade significa que é muito bom.
. “C’est pas mal du tout” quer dizer “não é nada ruim” e é o maior elogio que você pode receber de um francês.
. “C’est pas cher” literalmente quer dizer “não é caro” e na verdade significa que é bem barato.
 . “C’est pas terrible” literalmente quer dizer “não é terrível” e na verdade significa que é muito terrível.
. “C’est pas un sauvage” quer dizer “não é um selvagem” e é comumente usado para falar de alguém, vejam só, muito bem educado.
. “C’est pas grave” literalmente quer dizer “não é grave” e na verdade significa que você acabou de fazer algo bem grave.

E aí outro dia eu fui conversar com um amigo sobre essas curiosidades.

- Fernando.
- Pois não?
- Já parou pra pensar nessas expressões? E depois os franceses acham que os brasileiros complicam a língua, invertendo o sentido das palavras.
- Os brasileiros é que invertem? Pois sim...

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Noventa e um


Na minha série de filosofia barata que é um barato, já defendi a tese de que o gesto definidor do francês é, pra mim, o assoar de nariz. Indo um pouco além – ou um bocado aquém, dependendo do ponto de vista –, ontem, enquanto lepidamente pedalava uma Vélib, tive a visão de que a palavra que resumiria os patrícios de Victor Hugo seria quatre-vingt-onze. Noventa e um.

Os mais apressados descordariam: “por que não croissant?”, “fromage, pra mim é fromage!” ou “protesto, o que define o francês não seria uma palavra, mas a expressão ‘uh la la’”.

Eu diria que todos eles têm um pouco de razão, afinal croissant, fromage e uh la la são termos mais utilizados por aqui do que outros, tais quais douche e sourire. Porém, no afã impaciente de encontrarem a perfeita síntese gaulesa, os incautos passariam ao largo de uma característica marcante da cultura local: a tendência a filosofar e a poetizar, mesmo onde não cabe.

Isso pode ser facilmente demonstrado fazendo uma comparação simples com a língua portuguesa. Vamos tomar como exemplo a expressão “fala, mulek doido!”. Um equivalente francês seria traduzido para algo como: “Diga aí, meu companheiro por quem tenho muito apreço, que me faz pensar sobre o real sentido da palavra amizade e me traz lágrimas aos olhos quando estou às margens do Sena em uma tarde de outono, tomando uma taça de um bom Bourgogne enquanto ajeito a minha echarpe, e de repente penso em você e na fugacidade do tempo, no fato de que um dia todos retornaremos inexoravelmente ao pó, como já o fizeram Flaubert, Roberpierre e o casal Curie. Como está a sua existência na jornada de hoje?”.

Podemos notar no modelo linguístico exaustivo proposto que esse idioma, por mais belo que seja, não é chegado a caminhos curtos. E mais do que uma característica da língua, essa é uma marca do povo francês.

O pobre noventa e um seria o resumo perfeito disso. É uma palavra, mas também uma conta matemática, pois quatre-vingt-onze significa literalmente quatro vezes vinte mais onze. E é um número, mas também uma visão de mundo. Afinal os franceses, vá saber porquê, inventaram lá atrás de contar de vinte em vinte, e não de dez em dez (mesmo se atualmente apenas o oitenta e o noventa – quatre-vingt e quatre-vingt-dix – persistam). Percebam que ainda nem falei do setenta, que virou soixante-dix, sessenta mais dez. Mas vamos deixá-lo para lá por enquanto.

Se você, como eu, se embaralha sempre que precisa falar quatre-vingt-onze, uma sugestão: tente dizer cent moins neuf, cem menos nove. Não é mais fácil, mas os franceses vão adorar.

sábado, 12 de novembro de 2011

Veja bem, meu bem

- Bonjour, monsieur Cariello. Posso ajudar?
- Bonjour, madame Emma. São os meus óculos.
- Eu acho lindos.
- Mas eu não estou com eles agora.
- Eita, tem razão. Mas você continua bem apessoado.
- Uma das hastes quebrou.
- Ah, então é por isso que você não está usando?
- Que capacidade de dedução!
- O que posso fazer por você?
- Consertar seria uma boa.
- Foi só esse o motivo que o trouxe aqui?
- Na verdade eu vim perguntar se vocês vendiam queijo, mas ao entrar lembrei que meus óculos precisavam de reparação.
- Deixa vê-los.
- Tá aqui.
- Hummm... Hã... Oh...
- É tão grave assim?
- Pardon?
- Os óculos, é tão grave? Você tá fazendo uns barulhos estranhos.
- Ah, não. Isso é porque encontrei um pedaço de saucisson entre os meus dentes. Uma delícia.
- Mas e a haste?
- O que tem?
- Dá pra consertar?
- É verdade, foi por isso que você veio. Vou ver se está na garantia.
- Ok.
- Não está mais. Vou ligar pro fabricante. Espera um minuto.
- Ok.
- Veja bem, monsieur Cariello...
- Ta difícil.
- O quê?
- Ver bem. Tá difícil sem os óculos.
- É verdade. Toma aqui de volta.
- Madame Emma, eles estão quebrados.
- Quem?
- Meus óculos.
- Meu Deus, é verdade. O que você vai fazer a respeito?
- Foi por isso que eu vim aqui, pra consertá-los.
- Pois veio ao lugar certo.
- Então, o que podemos fazer?
- Podemos tomar um café, se você quiser. Depois das 18 estou livre.
- Madame, os óculos. O que podemos fazer com eles?
- Ah, vai ter que reparar, né?
- Acho que finalmente estamos nos entendendo.
- Como eu ia dizendo, veja bem, monsieur Cariello.
- Tá difícil.
- O quê?
- Nada, nada. Só repeti a piada, que já era sem graça na primeira vez.
- Quanto aos seus óculos, acho que não podemos fazer nada. A garantia acabou, o fabricante não faz mais essas hastes e o mais terrível é que parece que vai chover mais tarde.
- O que tem a ver a chuva?
- Pode atrapalhar o nosso café.
- Madame Emma, não vou poder tomar esse café com a senhora. Estou ocupado hoje.
- Mas que lástima. Quer saber? Vou dar um jeito de consertar os seus óculos, assim você vai enxergar a chance que está perdendo.
- Não precisa, não precisa! Até mais ver, Madame Emma.
- Volta, volta. Abre o olho, monsieur Cariello.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Hoje eu vi o Gérard Depardieu

Hoje eu vi o Gérard Depardieu na rua. Ele tava fazendo um filme, que é o que se espera do Gérard Depardieu. Ninguém imagina encontrar o Gérard Depardieu na fila do pão, passeando com o cachorro ou andando de bicicleta. Se isso ocorresse, a gente logo pensaria: “Caramba, aquele sujeito é a cara do Gérard Depardieu”. Mas como ele estava posicionado exatamente em frente a uma câmera, eu não tive dúvidas de quem se tratava.

Quando eu passei pela rua onde cruzei o Gérard Depardieu, muita gente havia parado para vê-lo, algo absolutamente compreensível, pois fiz o mesmo. Do lado dele havia um carinha de barba que eu conhecia de algum lugar mas agora sou incapaz de dizer de onde. De qualquer maneira, ele vai ficar pra sempre na minha memória como “o carinha de barba que estava ao lado do Gérard Depardieu na rue d’Aligre”, mesmo que um dia ele raspe a barba.

Depois dessa vicissitude de encontrar o Gérard Depardieu e ele não ter nem olhado pra mim, fiquei pensando que deveria escrever uma crônica a respeito. Afinal, não é sempre que a gente esbarra com o Gérard Depardieu, mesmo morando em Paris. Eu já vi por aqui a Laetitia Casta andando ao lado de dois carinhas, o Romain Duris descendo da motocicleta e o sujeito que faz a série sensação Bref atravessando a rua no sinal. Já vi até o Paul McCartney e o Roger Waters, mas pra isso tive que comprar ingresso, então não vale.

Gastei bons minutos imaginando que diabos eu poderia dizer nessa crônica, além do fato óbvio de ter estado no mesmo espaço-tempo que o Gérard Depardieu. Não cheguei a nenhuma conclusão e comentei o fato inesperado com uma amiga. Ela disse que um dia ele já fora bonito e hoje era muito feio, com o que prontamente concordei. E ainda acrescentou que se ele continuasse engordando desse jeito muito em breve nem para o papel de Obelix serviria mais.

Logo depois fui à feira comprar legumes e comentei com o vendedor que havia visto o Gérard Depardieu fazendo um filme. Ele me perguntou quem era esse sujeito. Aí eu me dei conta de que não havia importância nenhuma o fato de eu ter encontrado com o Gérard Depardieu, estivesse ele em frente a uma câmera ou não. Encerrei o papo, peguei duas abobrinhas e fui pra casa cozinhá-las.