sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Que tudo se realize

Cada um sabe das suas resoluções de ano novo.

Paciência
- “Em 2012, prometo ser mais paciente com os outros. Prometo também...”
- Querido, será que você poderia me vir aqui pra...
- NÃO! Agora não posso ir aí. Não posso ir ali. Não posso ir a lugar nenhum. Mas você podia aproveitar e ir pro diabo que a carregue.
- ...
- Onde eu estava mesmo? Ah, era “prometo ser mais paciente com os outros”.

Inveja
- “Em 2012, prometo ser menos invejosa. Vou deixar pra trás, de uma vez por todas, esse sentimento tão mesquinho. E eu espero do fundo do meu coração que aquela perua que mora na cobertura com piscina no prédio ao lado tome a mesma resolução. Aquela oxigenada e siliconada é a inveja em pessoa. Toda vez que ela pára o seu Mercedes conversível novo em folha ao lado do meu Chevette 82, no sinal, consigo ver claramente nos seus olhos azuis (que, aposto, são lentes) o seu desejo de possuir tudo o que eu tenho e ela não pode ter. E aposto que o seu novo namorado, o sósia do Brad Pitt, pensa a mesma coisa dessa desclassificada.”

Solidariedade
- Vamos lá, escrever pra ficar registrado: “Em 2012, prometo ser mais solidária.”
- Benzinhô.
- Oi?
- Minha mãe ligou pedindo ajuda pra preparar a ceia de amanhã.
- Por que eu? Ela não pode se virar sozinha? E a sua irmã, não pode ir? E você?

Saúde
“Em 2012, prometo cuidar mais da minha saúde. É a melhor resolução que poderia ter. Realmente, nada como duas cervejinhas e uma pitada num cigarrinho pra clarear as ideias.”

Preguiça
“Em 2012, prometo ser menos preguiçoso e nunca mais deixar as coisas inacab

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Cher père Noël

Cher père Noël,

Eu ia escrever essa cartinha em polonortês, mas pensei bem e decidi fazer em francês mesmo, porque assim você vai treinando a língua para não fazer mais bobagens como a do ano passado, lembra? Eu enviei uma carta caprichada contando o meu comportamento exemplar, as boas ações, as notas na escola e até o dia em que dividi meu sorvete de chocolate com a minha irmã mais nova, que aliás não merecia nem um pouco, aquela pirralha chata. E no fim, pra provar como sou um bom garoto, pedi um único presente, pra me esquentar no inverno: um tecido de lã pra cobrir o cou. Acontece que você me trouxe um pano pra tapar o cul.

Putain, père Noël, t’es vraiment con! Cachecol não tem nada a ver com cueca. O cou fica em cima. O que fica em baixo é o cul.

Como você vem à França há tantos séculos, imaginei que já soubesse falar nossa língua, na qual foram escritos vários clássicos da literatura, do cinema, do teatro e da música ruim. Mas, não, você prefere se comunicar em inglês, né? Você não passa é de um subproduto da Coca-Cola, um emissário do Tio Sam, um assecla do Mickey Mouse.

E se você pensa que essa é a carta de um menino mimado de classe média que está esperneando porque não ganhou presente, devo dizer que você está totalmente certo, coroa. O que você não sabe é que eu, Jean-Pierre, 7 anos, não estou sozinho, e escrevo esta na condição de presidente da associação Vítimas Enganadas e Lesadas pelo Homem da Barba Branca, a VELHO Barbaca.

A VELHO Barbaca é composta por mim, pelo meu irmão mais velho que está fazendo musculação e pelo Jacques Dupont, nosso vizinho, para quem você tem dado uma caixa de frutas cristalizadas todos natais, todos os anos. O Jacques Dupont detesta frutas cristalizadas (aliás, quem é que gosta?). Ele já te enviou não sei quantas cartas, pedindo candidamente para ganhar outra coisa. E você, o que fez? Ignorou os apelos do pobre coitado. Ou então não entendeu o que ele escreveu, o que não me surpreenderia nem um pouco.

Fique sabendo, père Noël, que estamos organizando uma manifestação para a noite do dia 24 de dezembro. Mandamos pintar faixas com slogans contra você (e contra o presidente Sarkozy, para conseguirmos mais adesões) e já temos até uma palavra de ordem:

“Père Noël, bonzinho uma ova!
Se eu te encontrar acabo dando aquela sova”

Fica ligado! Ou o meu irmão vai dar um jeito de moldar um biquinho francês na sua boca.

Des bisous!

Jean-Pierre

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Crônica circular

Um plano que tinha desde que cheguei a Paris, e nunca havia realizado, era pegar um ônibus qualquer e ir até o final da linha. Sem o objetivo de chegar a lugar nenhum, apenas para observar as pessoas subindo e descendo, andando nas ruas, conduzindo seus carros. Hoje decidi fazê-lo, na esperança de no caminho encontrar um bom assunto para uma crônica.

Saio de casa, subo no ônibus 29 e sento ao lado de uma mulher que lê o Le Monde. Saco meu moleskine para anotar o que me chama a atenção. Escrevo “Ópera Bastille, vovô” quando passamos pela ópera da Bastille, que meu avô condenou para todo sempre, classificando-a como uma “ópera de 2a categoria, onde se apresentam artistas de 2o nível, para um público de 2o escalão”. Sendo ele um conhecedor no assunto, nunca ousei discordar.

O 29 devia ir até as (infernais) Galeries Lafayette, mas pára na altura da Ópera Garnier. A ópera original de Paris, construída no século XIX, que serviu de inspiração para o Theatro Municipal do Rio e, o mais importante de tudo, sempre recebeu a aprovação do meu avô: “Essa vale a pena visitar, ao contrário daquela coisa horrível da Bastilha”.

Como não achei ainda um tema interessante para um texto, decido pegar o 80, que corta a cidade de norte a sul. Uma linha que passa por lugares a mim estranhos e me traz a sensação – que adoro - de estar perdido em uma cidade que já conheço bem.

Só me situo quando já estamos perto do Champs-Élysées, que exibe garboso sua iluminação de Natal, como toda Paris nesse momento. Anoto "Champs-Élysées, luzes" e admiro o cartão postal por alguns instantes, mas minha atenção é logo desviada para o senhor da minha frente, que confere no jornal o resultado da loto. “Não ganhei, droga. Quem sabe da próxima vez?”.

O 80 atravessa o Sena pela ponte d’Alma, de onde se tem uma visão fantástica da torre Eiffel, e continua o trajeto habitual, que o leva várias vezes por dia, todos os dias do ano, à porta de Versailles. Desço na École Militaire, ainda sem a minha história, e pego o 87. Sento na janela, perto de um casal oriental que conversa animadamente, de uma mãe que fala em inglês à filha e de uma senhora que abre e fecha sem parar um livro de Michel Houellebecq.

O 87 passa por trás dos Invalides e sua bela cúpula dourada. Depois, faz uma curva e vai em direção à monstruosa torre Montparnasse. Escrevo "Invalides x Montparnasse". Em seguida, vira novamente, sai costurando pequenas ruas e tangencia o Bon Marché, onde posso observar as decorações natalinas, os clientes entrando sem nada e saindo cheios de sacolas, as pessoas pedindo esmolas e doações e principalmente os transeuntes, que passam sem se importar nem um pouco com todo o burburinho.

Desço na Gare de Lyon, com frio e frustrado por não ter encontrado fatos extraordinários pelo caminho, apesar de estar em uma das mais deslumbrantes cidades do mundo. Tudo o que pude ver foi a vida normal correr para pessoas tão normais quanto eu. Paro e penso sobre isso. E nesse instante, e pela primeira vez desde que cheguei aqui, há quase 5 anos, sinto-me um parisiense, apesar de sempre ter inconscientemente me recusado a ser um.  

Um pouco atordoado, entro em um bar e peço um café expresso. O garçom me serve e pergunta se quero açúcar. Olho pra ele e digo que “non, merci”, enquanto retiro o sobretudo e o cachecol.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Tudo na vida é passageiro

Francês adora discutir, mas detesta perder a classe.

- Táxi!
- Ei, ele é meu.
- Não, é meu, eu vi primeiro.
- Você viu primeiro, mas fui eu que chamei antes.
- Você chamou antes, mas eu já pensava em chamá-lo há tempos, mesmo antes dele aparecer. Táxi em Paris é tão raro quanto um sorriso.
- Agora é tarde, é meu.
- Eu não vou sair da frente.
- Ah, vai sim. Senão eu bufo.
- Pois eu sei bufar também, ó: buffff.
- Se é assim, eu digo: você é chato!
- Oh!
- E repito: chato, cha-tão!
- Pois prepare-se que agora vou te ofender pra valer.
- Estou preparado.
- Você é um limitado.
- E você é um tolo.
- Tolo, eu? Melhor do que ser um inútil.
- Prefiro ser inútil do que um bobalhão como o que vejo na minha frente.
- E eu...
- Ei, olha, aquela mulher acabou de entrar no nosso táxi e ele arrancou. Foi embora.
- Zut.
- Buffff.
- Outro táxi a essa hora vai ser impossível.
- Vai mesmo.
- Não tenho mais escolha, vou voltar pra casa andando, sob a chuva.
- Pra que lado você vai?
- Bastille.
- Vem aqui, vamos dividir meu guarda-chuva. Eu vou pro mesmo lado.
- Merci. Você até que é um cara bacana.
- Você também é gentil. Ao contrário daquela senhora sem classe que roubou o meu táxi.
- Seu? Era meu.
- Coisa nenhuma, eu vi primeiro.
- Viu, mas fui eu que chamei.
- Chamou de metido que é, pois eu pensei em chamá-lo antes.
- Você é mesmo um bobo.
- Pelo menos não sou besta.
- Ei, estúpido, não mexe esse guarda-chuva, tô me molhando.
- Quieto, reclamão.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Está claro?

No meu prédio não tem síndico, mas uma empresa responsável pela limpeza e manutenção das áreas comuns do edifício, que, por sua vez, emprega dois guardiães, executores dessas tarefas.

Há também um conselho sindical, incumbido de contratar essa empresa e de organizar as reuniões de condomínio. Estas, juntamente com a benzetacil, estão entre as coisas das quais mais tenho medo na vida. Felizmente, até hoje consegui evitar contato com ambas.  

Acontece que o conselho sindical decidiu demitir os guardiões do prédio (vejam só, sempre quis mostrar pra todo mundo que conhecia os dois plurais de guardião, e eis que a chance se apresenta. Aproveito para mandar um beijo para a Aliete, minha professora de português da 6a série, que aplicava provas infernais, cujas análises sintáticas e semânticas até hoje me dão pesadelos).

Bom, mas como eu dizia, o conselho sindical resolveu que era hora de pirulitar o casal que cuida do imóvel e desempenha tarefas básicas e necessárias, como limpar as lixeiras, varrer o chão e tratar mal os desconhecidos. E para anunciar a novidade, colou um aviso na entrada do edifício. A acusação: o par não prestara um serviço a uma habitante em dificuldade.

Furioso, o casal rebateu também com um papel, pregado ao lado do primeiro. Nele, dizia que não haviam não prestado o serviço, que seria o mesmo que dizer que haviam prestado, mas é completamente diferente.

O conselho sindical não tardou a responder que sim, os dois haviam não prestado o serviço e por isso estavam sendo justamente despejados.

Os guardiães/ões mais uma vez retrucaram, afirmando enfaticamente que não era verdade que sim, eles haviam não prestado o tal serviço. O real ocorrido, segundo eles, era sim, eles não haviam não prestado.

O conselho sindical subiu nas tamancas e preparou mais um aviso, que foi posto ao lado dos outros e transformou a entrada do prédio em uma galeria de arte abstrata. Nele, atestava que tinha provas irrefutáveis de que não era a realidade que o casal não havia não prestado o serviço. E que a atitude dos dois, em um país como a França, era o mesmo que sim, prestar um desserviço.

A questão ainda está longe de terminar e é provável que logo ela pare na justiça. Mas talvez antes deva parar em um gramático e um lógico. Pelo menos pra que fique claro o que aconteceu. Ou pra que não fique claro o que não aconteceu. Ou pra que fique escuro o que...